sábado, abril 05, 2014

Reflexões para o dia: Morte e Virtudes



Sl 116:15 “Preciosa é à vista do Senhor a morte dos seus santos.”

Infelizmente a vida não é feita apenas de boas noticias. Ontem falei sobre o casamento, uma festa singular que marca o reinício do ciclo da vida, quando duas pessoas jovens, cheias de vida se unem na esparança de renovar o mundo através de mais um casal. No fim do dia, meu celular toca com uma mensagem informando do falecimento de uma pessoa. Não importa quem seja, sempre é triste uma noticia assim (eu pelo menos nunca me alegrei com a morte de ninguém, nem de pessoas que se fizeram meus inimigos).

Aí eu me pus a pensar, sabendo que o meu shabat já não teria um clima dos mais felizes. O que define a vida de uma pessoa? Como podemos fazer um juízo de valor sobre a vida de alguém. A verdade é que ninguém sabe o que vai no coração de uma pessoa; julgamos por atitudes, fulano é mau caráter, o outro é bonzinho, mas quais as circunstâncias que levam alguém a ser considerado uma má pessoa e outro um bonzinho.

Essa semana estava vendo uma matéria sobre atores famosos e no Brasil tem o “Tony Ramos” que, ele mesmo disse, já pediu pra fazer papel de mau, de psicopata, etc... mas não adianta, ele sempre será o mocinho nas novelas. Porque?

A verdade é que o Eterno não nos dotou com a plena capacidade de ver a intenção ou o coração dos demais. Mas numa hora como essa da morte, todos nos igualamos ao pó. Alguns sentirão nossa falta, outros celebrarão, mas no fim, a vida se desfaz, junto ao pó e o silêncio de um cemitério.

É interessante notar que na cerimônia fúnebre, praticamente todo mundo vira bonzinho. Até bandidos, sempre haverá alguém que chorará e dirá: “Morreu tão jovem, era uma boa pessoa.” Então, porque não reconhecemos essas virtudes em vida? A gente chora porque na maioria das vezes não tivemos a oportunidade de dizer a tal pessoa o quanto ela tinha de bom, reconhecer suas virtudes.

O poema de Provérbios 31, conhecido “Eshet Chayil” ou “Mulher virtuosa” exalta as virtudes de uma boa mulher, mas convenhamos, qual mulher é realmente tudo aquilo? Ou qual pessoa é capaz de reconhecer tudo isso numa outra? Reconhecer virtudes alheias é dificil porque na maioria das vezes, ao exaltar alguém, o ser humano sente que está diminuindo seu próprio valor diante dessa pessoa. E não é nada isso.

Diante da morte já não há mais remédios, não há mais possibilidade de se desculpar, de reconhecer os próprios erros, de valorizar, enfim, de ser mais “divino” e menos “humano”.

Nos últimos cinco anos e meio estive à frente da Kehilah de Ponta Grossa, e troca-se o rosh, mas não se apaga uma história. Hoje, entristeço-me pelo falecimento da chaverah Maria da Luz.
Não sinto-me digno de exaltar-lhe seus bons atos, nem tampouco de criticar seus erros, acho que ainda não sou capaz de oficiar um funeral. O que dizer? Quem pode dizer que se sente alimentado quando carrega no coração mágoas do próximo? O que dizer numa hora dessas? Seja o que for que se diga num momento desses seremos sempre donos de lábios injustos.
Shaul HaShaliach disse, falando aos irmãos que viviam em Roma:
“Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.” (Rm 8:33)

Ninguém é tão ruim que não possua virtudes, nem tão perfeito que não tenha defeitos. Infelizes aqueles que só conseguem ver defeitos no alheio, e ainda assim: “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.”

Precisamos sempre aprender que, as atitudes do ser humano são tomadas em um momento único; eventualmente a pessoa age errado porque estava num dia ruim, talvez a vida não a tenha preparado para vivenciar determinadas situações ou qualquer outra coisa que nunca saberemos.
É muito fácil julgar alguém como burro, ignorante ou pouco inteligente quando D-us nos permitiu a oportunidade de termos pais que investiram em nossos estudos, numa formação universitária, ou tivemos a sorte de conseguirmos bons empregos... enquanto aquela pessoa não teve as mesmas oportunidades.
Só poderiamos ser capazes de emitir tais juizos, diante de pessoas que tiveram exatamente as mesmas condições. Ainda assim, ninguém, absolutamente ninguém, é igualzinho a outra pessoa. Então, melhor guardarmos nossos conceitos sobre o “próximo” para nós mesmos.

Por outro lado, não devemos nos preocupar com o mau julgamento que alguém faz de nós. Porquê? Porque o que aquela pessoa conhece de nós? Quem sabe os dias difíceis que vivenciamos, as más experiências?
Num momento dificil como esse, meu desejo é sempre que o Eterno conforte aos familiares, que eles tenham sempre boas lembranças de seus entes queridos e que todos tenhamos em mente que é Deus quem justifica as pessoas; espero que, algum dia, na vinda do Mashiach, quando ocorrer a primeira ressurreição, eu possa me levantar, e reencontrar todas as pessoas por Ele justificadas. E aí vermos, uma vez, o quanto fomos injustos nessa frágil vida que hoje temos.

Diante da morte, somos todos fúteis. Que a morte de mais essa chaverah tenha sido tida como preciosa aos olhos do Eterno e que ela possa ressuscitar junto aos santos naquele dia.

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